sábado, 23 de fevereiro de 2019

ARTIGO: AMERICA


O que moveria um brilhante escultor polono-americano, autodidata, a empreender a tarefa de transformar uma montanha na efígie dum respeitado guerreiro indígena? Essa não foi uma decisão precipitada, pois Korczak Ziolkowski — era esse o nome do escultor — demorou sete anos para tomar tal decisão.
Em 1939, Korczak recebeu uma carta de um idoso chefe indígena lakota, chamado Henry Urso em Pé, que vivia na reserva indígena Pine Ridge, em Dakota do Sul, EUA. O chefe o convidava a construir um monumento nas Colinas Negras, em Dakota do Sul, em homenagem a um célebre chefe indígena. O povo indígena lakota considera as Colinas Negras como território indígena sagrado, e não ficaram nada felizes quando o escultor Gutzon Borglum terminou sua gigantesca escultura com a face de quatro presidentes americanos no monte Rushmore, localizado bem nas suas sagradas Colinas Negras. O chefe Urso em Pé escreveu o seguinte para Korczak: “Meus colegas chefes e eu gostaríamos que o homem branco soubesse que os peles-vermelhas também têm grandes heróis.”
Por que escolheram Cavalo Louco?

 Robb DeWall explica: “Foram os indígenas que escolheram retratar Cavalo Louco no monumento. Em essência, Cavalo Louco era o indígena ideal — guerreiro extremamente valente, militar brilhante e especialista tático, conhecido como o primeiro índio a usar o sistema de iscas. Ele . . . nunca assinou acordos e nunca morou em reservas indígenas.”
O que Korczak tinha em mente quando idealizou o projeto? Ele ficou sabendo da resposta que Cavalo Louco deu a um comerciante branco que caçoava dele por ter-se recusado a morar na reserva indígena, quando a maioria dos lakotas já estava fazendo isso. O comerciante perguntou: “Onde estão suas terras agora?” Cavalo Louco “olhou para o horizonte, apontou o dedo acima da cabeça do cavalo e proclamou orgulhosamente: ‘Minhas terras são aquelas onde meus antepassados estão enterrados.’”
A primeira tarefa era escolher a montanha que se transformaria no maior monumento do mundo, ultrapassando o vizinho monte Rushmore. Em 1947, Korczak e o chefe Urso em Pé escolheram uma montanha ideal para o projeto. Era o pico de 200 metros de uma montanha que ficava 2.050 metros acima do nível do mar. Korczak chamou-a de monte Nuvem de Trovoada por causa das nuvens singulares que às vezes se formavam sobre ela. Como conseguiriam permissão para transformar a montanha num gigantesco monumento em homenagem a um índio?
DeWall explica no livro Korczak—Storyteller in Stone (Korczak — Contador de Histórias em Esculturas): “Qualquer um poderia requerer o direito legal de extrair minério de uma gleba nas Colinas Negras e, de fato, ‘possuir’ a gleba em questão, contanto que se gastassem 100 dólares para a avaliação anual da propriedade. Korczak achou irônico o governo não se importar com o fato de a montanha tomar as feições de um índio na garupa de um cavalo, desde que se fizesse a exigida avaliação anual de propriedade.”
Korczak, de poucos recursos, tinha uma tarefa colossal pela frente e, de início, trabalhava sozinho. A primeira explosão de dinamite aconteceu em 3 de junho de 1948 e fez voar pelos ares a modesta quantidade de dez toneladas de rocha. Desde aquele início até 1994, estima-se que foram dinamitados 8,4 milhões de toneladas de rocha da montanha. Centenas de índios assistiram à detonação 

inicial, incluindo cinco dos nove sobreviventes da famosa Batalha de Little Bighorn (25 de junho de 1876).
 
Korczak era um homem persistente e dedicado. Usando troncos de madeira que ele mesmo havia cortado, construiu uma escada de 741 degraus até o topo da montanha, onde planejou explodir parte dela para esculpir a cabeça do cavalo. Para conseguir operar a britadeira, ele precisava de energia, produzida por um velho compressor movido a gasolina. Korczak tinha de instalar uma tubulação de 620 metros de comprimento e 8 centímetros de bitola para chegar até onde ele estava perfurando. Toda vez que o compressor parava, ele descia os 741 degraus para dar partida no motor. Seu recorde de descidas e subidas foi de nove num só dia! Ele não tinha condições de contratar uma pessoa para tomar conta do compressor. Sem dúvida, tinha muita energia e determinação!
Em 1951, ele usou 660 litros de tinta branca para pintar um esboço da escultura na vertente da montanha, o que facilitou aos visitantes ter uma visão da obra concluída.
Na década de 70 e início da de 80, Korczak se concentrou em explodir rocha suficiente para dar o 

formato da cabeça do cavalo. Ele já havia sofrido dois ataques cardíacos (1968 e 1970) e no verão de 1982 passou por uma bem-sucedida cirurgia de quatro pontes de safena. Daí, aconteceu uma tragédia: Korczak faleceu repentinamente em outubro daquele ano, aos 74 anos. O que aconteceria com o grande projeto do Cavalo Louco? Morreria junto com o escultor?
Korczak nunca teve a esperança de ele mesmo terminar a obra. Ele sabia que o projeto não seria concluído durante o tempo em que vivesse e, por isso, fez planos detalhados para a conclusão da obra. Ruth, sua esposa, e seus dez filhos eram tão dedicados ao trabalho quanto ele. Ruth envolveu-se em todas as etapas do projeto, ajudando-o nos cálculos e no trabalho braçal.
A prioridade dele era terminar a cabeça do cavalo, mas houve mudança de planos com sua morte. Em 1987, a viúva junto com os diretores de uma fundação sem fins lucrativos decidiram concentrar-se no rosto de Cavalo Louco. Qual foi o motivo dessa mudança? Visto que esse rosto era bem menor do que a cabeça do cavalo, ficaria pronto mais rapidamente e o custo seria menor. Dessa forma, o público teria uma imagem mais definida em menos tempo e isso talvez incentivasse as pessoas a apoiar financeiramente a obra.
A cabeça de Cavalo Louco tem 26,7 metros de altura por 18 de largura. Alega-se que “as quatro cabeças de 20 metros cada uma do monte Rushmore caberiam apenas na cabeça de Cavalo Louco — e sobraria espaço”! Segundo algumas fontes, a escultura de Cavalo Louco, com o braço esquerdo estendido e o cavalo, será a maior do mundo: 172 metros de altura por 195 de comprimento. Só o braço terá 69 metros de comprimento e o dedo esticado, 11,4 metros por 3 de diâmetro.
Korczak não aceitou fundos do governo para a realização do projeto. Em duas ocasiões, ofereceram-lhe dez milhões de dólares como patrocínio do governo federal, mas ele rejeitou. DeWall afirmou que Korczak “permaneceu fiel à sua filosofia de livre empresa. Em toda a sua vida, ele conseguiu arrecadar sozinho mais de cinco milhões de dólares usados no Cavalo Louco”. Ele não ganhava salário nem tinha conta de despesas pessoais.
Hoje, quem visita o parque de carro paga um ingresso, mas para quem vem a pé ou de motocicleta, o preço do ingresso é menor. Atualmente, mais de um milhão de pessoas vão ao Cavalo Louco todo ano. Doações de equipamentos e de dinheiro mantêm a obra em andamento.
O impressionante Museu Indígena da América do Norte, construído com madeira extraída da localidade, fica no parque do Cavalo Louco. Estão em exibição milhares de artefatos indígenas, representando muitas das mais de 500 tribos da América do Norte. Há também uma extensa biblioteca com obras de referência sobre os americanos nativos, para consulta de estudantes e eruditos.
Americanas nativas, como Priscilla Engen e Freda Goodsell (oglala-lakota), também estão a postos 

para responder a perguntas e explicar alguns dos objetos de arte e artesanatos expostos. Donovin Sprague, professor universitário e membro dos miniconjou (uma tribo lakota), fica à disposição para consultas durante as visitas. Ele é tataraneto do chefe Hump, que participou da Batalha do Little Bighorn, em 1876.
Planeja-se uma nova sede para o museu. Segundo a idéia de Korczak, ele deveria ser construído o mais perto possível da base do monumento, no estilo de uma cabana navajo. Será uma construção com vários andares e 110 metros de diâmetro. Há também planos de se construir uma universidade e um centro de capacitação médica para os índios norte-americanos. No entanto, antes desses empreendimentos ambiciosos se tornarem realidade, o monumento a Cavalo Louco precisa ser concluído. Quanto tempo vai demorar? Ruth, esposa de Korczak, diz: “Não podemos determinar uma data com exatidão, devido aos muitos fatores envolvidos: condições meteorológicas, invernos rigorosos, dinheiro e outros. O que realmente importa é avançar de modo constante em direção ao objetivo derradeiro.”

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